quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Amizade


Eram dois. Duas pessoas distintas e contemporâneas uma da outra. Passaram por momentos turbulosos da história de um país que já não é o mesmo daqueles tempos sangrentos. A história dos dois se entrelaça em algum momento desse passado. Pessoas de bem, democráticas e, acima de tudo, patriotas, combateram, cada um à sua forma, o governo militar. Nunca foram amigos, talvez nunca tivessem se encontrado, mas isso mudaria para sempre.

Nessa época sanguinária, se torturava. Alguns fugiam do país. Se exilavam em terras menos perigosas por conta da perseguição política e o medo das torturas e da morte. Algumas iam ainda mais além. No período de exílio, estudavam economia e se pós-graduavam diversas vezes. Viajavam o mundo todo, davam aulas e, a cada momento que a situação se tornava ruim, uma vez que aquela época foi marcada por ditaduras em diversos países, se mudavam para obterem mais tranquilidade.

Por outro lado, haviam pessoas que não fugiam à luta e mostravam que o hino brasileiro poderia estar correto em alguma medida. Enquanto muitos fugiam, outros tantos ficavam. Ficavam e se escondiam. Eram descobertos, eram presos, eram torturados, eram soltos, mudavam de nome e voltavam a se esconder e lutar. Pegavam em armas, e estavam ali, atirando em milicos, colocando a cabeça a prêmio e, principalmente, o coração na cabeça. Essas pessoas não saíram do país. Essas pessoas foram brutalmente torturadas e não entregaram seus companheiros de luta.

Obviamente eu não estou desmerecendo os exilados políticos. Jamais faria isso e sei da importância de cada um deles para a história nacional. O que faço é apenas mostrar como dois lados da mesma moeda se comportaram em um período passado. Tinham os perseguidos que fugiam e tinham os perseguidos que ficavam. Os nossos dois protagonistas se enquadram cada um em um desses dois grupos, um pra cá, outro pra lá.

O tempo passa. O ditado já alerta há muitos anos que o tempo é uma raposa. Poucas pessoas devem refletir sobre isso. Se refletissem talvez matassem mais aulas, roubassem mais pessoas, prendessem mais ladrões, fossem mais a um estádio de futebol. Mas o tempo passa de todo jeito. Pessoas mudam, pessoas não mudam, pessoas se encontram, se reencontram ou nunca mais se encontram. Pessoas mudam de lado, outras não. Se olharmos para estes dois seres que descrevo, veremos que ambos continuam em lados opostos. Um ainda luta por si, o outro ainda briga por todos.

Depois de passados tantos anos, se conheceram. Não sei se da melhor forma, mas o fato é que se conheceram. Em meio a ataques, aquele que não fugiu à luta agora é vítima de seu passado por parte daquele que estava do seu lado, mas de um lado diferente. Interessante notar como a história é colocada a mercê de interesses múltiplos. Nota-se também que o caráter das pessoas não muda tão facilmente assim. E nessa de acusar o bom de ser ruim e de fazer do ruim um santo que tem vivências grandiosas e um passado de dar inveja a qualquer um, aquele que outrora foi a alma combativa de uma sociedade encarcerada agora, sem apoio daqueles que detém os meios de transmitir a informação, luta para continuar vivendo o sonho dos mais pobres do Brasil-continente, daqueles esquecidos pros lado do norte, aonde não tem água, não tem verde e não tem nuvem.

Os dois podem ter ideias parecidas em muitos aspectos e provavelmente isso é verdade. Os dois podem ser a favor da descriminalização do aborto, mas quem não tem caráter não poderia admitir isso para um país inteiro. O que não tem caráter é a favor das classes médias e da igreja e isso não tem se mostrado interessante. Para não me esquecer, este citado acima, em uma de suas grandes obras de um passado político invejável, foi ministro da saúde e por ele mesmo considerado o melhor. Partindo desse pressuposto, provavelmente sabe que a questão do aborto é, para não entrar nos méritos do direito da mulher, uma questão de saúde pública. Mas tem aquele que põe a cara a tapa e diga isso. E diga que mulheres morrem. E diga que a maioria delas são pobres e pretas. E diga que a via penal não é a melhor forma de resolver a questão e que, com políticas públicas de auxílio, as taxas de aborto seriam reduzidas.

O fato é que esses dois se conheceram. Não houve amor a primeira vista, tampouco ficaram amigos. O grande ponto é que um deles é um demagogo de primeira linha. Um Sir da demagogia nacional, por assim dizer. Gosta muito de ir contra a maré no que tange seus ideais e sentimentos, mas vai a favor dela quando lhe convém. É capaz de fazer um vídeo de si com a foto de seu inimigo ao fundo por pura falta de dignidade. Seria como Mahatma Gandhi colar um pôster de George W. Bush em um cômodo de sua residência indiana se estes fossem contemporâneos. Mas ele faz porque lhe convêm. E também lhe convêm ler a Veja para saber se suas acusações, programadas e alarmantes, colaram. Do outro lado, aquele que quer dar sequência a algo de bom que acontece no Brasil, tem que perder tempo em explicações sobre um dos milhares de escândalos típicos do período em que passam.

Ambos trilham caminhos que se entrelaçam de alguma maneira, mas cada um está em um ponto específico. De tudo, é importante lembrar que estão inseridos em partidos políticos. Um é azul, outro é vermelho, mas os dois tiveram seus momentos e não precisamos buscar muito pra saber qual deles foi melhor. Também sabemos que os ideais de cada um destes partidos é o que tem que ser analisado com maior cuidado e o caráter de alguém diz muito sobre ele, sobre seu partido e sobre seus jogos políticos.


Esses dois protagonistas se encontraram, se conheceram e não se gostaram. Os dois trilham caminhos distintos para chegar ao mesmo lugar. Se eles estivessem concorrendo a uma eleição para presidente do Brasil, eu com certeza votaria no do partido vermelho. Votaria na Dilma.

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